Abstract: Resumo A canábis é a substância psicoativa ilegal mais consumida entre os jovens. Um início precoce do consumo está associado a problemas de desempenho escolar e abandono escolar precoce, além de a uma maior presença na idade adulta de distúrbios mentais (ansiedade, depressão, psicose). Quanto mais cedo se começa a consumir e mais frequente é o consumo, maior é o risco.
Keywords: canábis; epidemiologia; intervenção
Nos últimos anos, tem sido dada uma maior importância às possíveis implicações do consumo de canábis para a saúde pública, devido a várias razões, entre elas, a extensão do seu consumo entre a população espanhola e europeia em geral, o aumento da procura de tratamento para a dependência e o aumento de patologias associadas ao seu uso.
A planta da canábis contém mais de 421 compostos químicos, dos quais 61 são canabinoides. O D9-THC é o que possui maior capacidade psicoativa e o que mais contribui para a toxicidade da canábis.
O início do consumo de canábis começa antes dos 15 anos, é mais frequente em homens, os quais apresentam uma maior prevalência de consumos combinados (álcool e tabaco).
A iniciação do consumo tem a ver com muitos fatores, um aspeto fundamental é a “pressão de grupo”, à qual se deve acrescentar a baixa perceção de risco de que este consumo existe entre os mais jovens, o que implica uma normalização do consumo nestes grupos etários.
A acessibilidade ao produto (embora se trate de uma substância psicoativa ilegal) faz com que na atualidade estejamos a começar a encontrar uma maior incidência de consumo na população mais jovem.
A canábis continua a ser a substância psicoativa ilegal mais usada na Europa, em todas as faixas etárias (Informe Europeo sobre Drogas Tendencias y novedades, 2018) .
Esta substância psicoativa costuma ser fumada e, na Europa, é frequentemente misturada com tabaco. Os padrões de consumo de canábis podem variar de consumo ocasional a consumo regular e dependente. A maioria das pessoas que consomem canábis são consumidores experimentais ou ocasionais. No entanto, numa proporção considerável de casos, o padrão de consumo desta substância aumenta o risco de sofrer efeitos que afetam a própria saúde, ter pior desempenho académico e profissional e/ou desenvolver dependência.
Estima-se que 26,3% dos adultos europeus (15 a 64 anos) tenham consumido canábis em algum momento das suas vidas. Destes, cerca de 14,1% dos jovens adultos (15 a 34 anos) consumiram canábis no último ano, dos quais 17,4% entre 15 e 24 anos. Entre os que consumiram esta substância psicoativa durante o último ano, a proporção de homens e mulheres foi de dois para um.
Os resultados do inquérito mais recente revelam que, na maioria dos países, o consumo de canábis permaneceu estável ou aumentou em adultos jovens durante o último ano.
De acordo com o Inquérito sobre o uso de drogas no Ensino Secundário em Espanha (Ministerio de Sanidad Consumo y Bienestar Social, 2016) , o consumo de canábis está um pouco mais difundido entre os homens: 15,2% do grupos dos de 14 anos de idade consumiram canábis em algum momento (em comparação com 12,6% das mulheres), proporção que aumenta progressivamente com a idade, tendo-se constatado que no grupo dos de 18 anos de idade, 1 em cada 2 jovens (56,3%) já a consumiu em alguma ocasião (em comparação com 54,7% no caso das mulheres). Os consumidores de canábis também registam uma maior prevalência de consumo de álcool e tabaco.
As suas formas de consumo podem ser: por inalação - misturada com tabaco, vaporizada, cachimbos ou utilizando o cigarro eletrónico; por via oral - biscoitos/bolos, etc.
Os efeitos no organismo são produzidos pela ativação de recetores canabinoides específicos - o recetor CB1, que se encontra abundantemente no SNS, o recetor CB2 que se expressa principalmente nas células do sistema imunológico. A ativação destes recetores inibe a libertação de neurotransmissores a partir dos terminais axonais.
O consumo de canábis, em geral, produz efeitos de tipo depressor, euforia leve e distúrbios na perceção (distorção da perceção do tempo, intensificação de experiências sensoriais comuns). Também pode causar ansiedade, pânico, paranoia e psicose, depressão ou inibição da capacidade motora, bem como relaxamento muscular.
Estas reações dependem da dose.
Imediatamente após o consumo, ocorre o que se chama “embriaguez canábica", com boca seca, olhos vermelhos, taquicardia, movimentos descoordenados, riso descontrolado, sonolência, alteração da memória, da atenção e da concentração.
É importante fazer uma deteção precoce do consumo de canábis, a fim de intervir o mais rápido possível na pessoa e no seu ambiente familiar, e para lhe proporcionar cuidados personalizados. A equipa de pediatria, ao detetar “sinais de alerta”, deve informar os progenitores.
Suspeita de consumo. Sintomas de alarme:
Mudança de comportamento, humor.
Negligência na higiene pessoal.
Deterioração das relações familiares e do ambiente que rodeia os jovens.
Baixo desempenho escolar.
Absentismo escolar.
No caso de se detetar o consumo de canábis, deve fazer-se uma breve intervenção. Se este consumo for problemático, o menor precisará de intervenção intensiva; neste caso, considerar-se-á o encaminhamento para uma unidade especializada.
Como no caso do tabaco, existem falsas crenças que se foram enraizando na sociedade em relação a este consumo e que devem ser esclarecidas pelos profissionais.
Muitos dos mitos ou falsas verdades que circulam sobre a canábis estão relacionados com a sua inocuidade, baixo risco para a saúde por ser um “produto natural” ou a sua utilidade terapêutica.
Esta confusão gerada sobre o seu consumo, e que afeta a população mais vulnerável, faz com que seja necessário que um profissional de saúde forneça informações corretas à população; só desta forma podemos desmantelar estas falsas crenças.
Existem ferramentas úteis para detetar doentes de risco no consumo de canábis nos cuidados de saúde primários.
Existem várias escalas para avaliar o consumo de canábis. A escala CAST (Cuenca-Royo et al., 2012) é um questionário simples de 6 perguntas, desenvolvido em França com o objetivo de detetar consumos problemáticos. Desde o seu desenvolvimento, esta escala tem sido amplamente utilizada tanto na população em geral como na população adolescente em vários países e demonstrou ser adequada para este fim.
O seu uso nos cuidados primários permite detetar os jovens que podem estar em risco de desenvolver um distúrbio por consumo de canábis, para além de orientar o diagnóstico e poder encaminhá-los para programas de tratamento específicos.
Tabela 1. CAST. Cannabis Abuse Screening Test
Opções de resposta: Nunca // Raramente // Às vezes // Com alguma frequência // Com muita frequência.
Resultados:
Figura Figura 1 Esquema de Intervenção de acordó com o CAST
Tradução Tabela 2. Espanhol – Português Figura 1. Esquema de Intervenção de acordó com o CAST
Espanhol | Português |
---|---|
Screening | Triagem |
Ningún riesgo o bajo riesgo | Nenhum risco ou baixo risco |
Riesgo moderado | Risco moderado |
Riesgo moderado-alto | Risco moderado-alto |
Riesgo grave o dependencia | Risco grave ou dependência |
Reforzar su conducta | Reforçar o seu comportamento |
Intervención breve | Intervenção breve |
Breve tratamiento | Breve tratamento |
Derivación a tratamiento específico | Encaminhamento para tratamento específico |
A intervenção numa pessoa menor será diferente se:
Os progenitores tiverem conhecimento do consumo: será solicitado o consentimento do menor para que participem nas intervenções.
Os progenitores não tiverem conhecimento do consumo: a idade do doente e o grau de risco detetado na triagem serão tidos em consideração antes de incorporar os progenitores no seguimento.
Sem risco. Destacar os aspetos benéficos, reforçando as decisões positivas e saudáveis.
Consumidores não problemáticos. Dar um breve conselho:
Consumidores problemáticos. É necessária uma intervenção mais intensiva. Estabelecer um plano de ação com o consumidor, que inclua objetivos individualizados e personalizados:
Se estes objetivos não forem alcançados, encaminhar para a unidade especializada.
A equipa de pediatria deve enfatizar os seguintes pontos:
A canábis gera dependência.
O consumo de canábis está muito relacionado com outro consumo (álcool e/ou tabaco).
O THC (tetrahidrocanabinol) é o principal ingrediente ativo da canábis e é uma substância muito solúvel em gordura que chega rapidamente ao cérebro, onde se acumula e é eliminada muito lentamente. Tem uma vida média longa, os consumos de fim de semana acumulam-se, uma vez que uma semana depois do consumo, o corpo não conseguiu eliminar mais de 50%.
Mesmo que uma pessoa consuma apenas nos fins de semana, não haverá tempo suficiente para que se elimine completamente e irá acumulando-se no cérebro, produzindo vários dos seus efeitos.
O consumo de canábis está associado a um desempenho inferior e a fracasso escolar. Os efeitos negativos deste consumo sobre a atenção, a motivação, a memória e a aprendizagem podem durar dias e até semanas após o desaparecimento dos efeitos imediatos.
Como a maioria das substâncias psicoativas, o consumo de canábis pode diminuir a capacidade de tomada de decisões, o que pode levar a uma maior probabilidade de se envolver em comportamentos de risco.
É necessário estar atento ao aparecimento de sintomas de intoxicação acidental por canábis em crianças previamente saudáveis, que apresentem sintomas neurológicos de início agudo e causa desconhecida. É útil, para fazer um diagnóstico diferencial com outros processos, como hipoglicemia, infeções do SNC, etc., solicitar uma análise toxicológica da urina, que confirme a exposição aguda à canábis.
O consumo de canábis durante a amamentação é um fator de risco para morte súbita do bebé e tem sido associado a um atraso no desenvolvimento motor no primeiro ano de vida. A natureza lipossolúvel faz com que o THC se acumule no leite materno até 8 vezes mais do que na mãe.
Esta publicação foi possível graças ao programa de cooperação Interreg VA Espanha-Portugal POCTEP - RISCAR 2014-2020.
A Revista Infância e Saúde (RINSAD), ISSN: 2695-2785, surge da colaboração entre as administrações de Portugal, Galiza, Castela e Leão, Extremadura e Andaluzia no âmbito do projecto proyecto Interreg Espanha-Portugal RISCAR e visa divulgar artigos científicos relacionados com a saúde infantil, contribuindo para pesquisadores e profissionais da área uma base científica onde conhecer os avanços em seus respectivos campos.
O projeto RISCAR é cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do Programa Interreg V-A Espanha-Portugal (POCTEP) 2014-2020, com um orçamento total de € 649.699.
Revista produzida pelo projecto Interreg Espanha - Portugal RISCAR com a Universidad de Cádiz e o Departamento Enfermería y Fisioterapia del Universidad de Cádiz .
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