Abstract: ResumoO contexto epidemiológico da tuberculose (TB) e da resistência a fármacos deve ser levado em consideração para otimizar as estratégias de deteção de casos de TB resistente (TB-r). Os dados de vigilância e os inquéritos de resistência a medicamentos são cruciais para ajudar a determinar a probabilidade (ou risco) de que um doente individual ou um grupo de doentes possua TB-r, o que é necessário para estabelecer estratégias de gestão eficazes destes casos.
Keywords: resistência à isoniazida; diagnóstico; tratamento
A tuberculose resistente (TB-r) é um dos principais problemas de saúde pública que dificulta o controlo desta doença a nível mundial.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que em 2017, a nível mundial, 558.000 pessoas (483.000-639.000) desenvolveram TB resistente à rifampicina (TB-RR), o fármaco de primeira linha mais eficaz e destas, 82% tinha TB multirresistente (TB-MDR).
Os dados sobre os níveis de resistência à isoniazida (H) sem resistência à rifampicina (R) concomitante estão disponíveis em 149 países durante o período 2003-2017. As médias globais de resistência à H (TB-rH) sem resistência à R concomitante foram de 7,1% (IC 95%: 6,2-8,0%) em novos casos e 7,9% (IC 95%: 5,9-10%) em casos de TB tratados previamente (World Health Organization, 2018) .
O Mycobacterium tuberculosis pode tornar-se resistente aos fármacos utilizados para tratar a doença, e deve ser feita uma distinção entre:
Resistência primária ou inicial: por transmissão de pessoa a pessoa de uma cepa resistente
Resistência adquirida: resultado de um regime de tratamento inadequado ou incompleto, que permite a seleção de cepas resistentes
A transmissão da TB-r ocorre exatamente da mesma maneira que a transmissão da TB sensível.
A H é um dos fármacos de primeira linha mais importantes para o tratamento da TB e da infeção tuberculosa, com alta atividade bactericida e bom perfil de segurança. O aparecimento de cepas de TB-rH ameaça reduzir a eficácia do tratamento da TB.
A deteção precoce da resistência permite o uso dos regimes de tratamento mais adequados, o que tem um impacto significativo no controlo da TB.
Os casos resistentes aos medicamentos antituberculosos são classificados em categorias com base no resultado do antibiograma (World Health Organization, 2019) :
Monorresistência: resistência a um único fármaco antituberculoso de primeira linha
Polirresistência: resistência a mais de um fármaco antituberculoso de primeira linha, exceto H + R juntas
TB multirresistente (TB-MDR): resistência, pelo menos, a H + R
TB extremamente resistente (TB-XDR): TB-MDR que também apresenta resistência às fluoroquinolonas e, pelo menos, a um dos três medicamentos injetáveis de segunda linha (capreomicina, canamicina e amicacina)
Resistência à rifampicina (RR): resistência à R detetada por meio de fenótipo ou métodos genotípicos, com ou sem resistência a outros medicamentos antituberculosos. Inclui qualquer resistência à R, sob a forma de monorresistência, polirresistência, TB-MDR ou TB-XDR. Os casos de TB-MDR e TB-RR são frequentemente agrupados como TB-MDR/RR
Resistência à H: cepas de Mycobacterium tuberculosis nas quais a resistência à H e a suscetibilidade à R foram confirmadas in vitro
Como a frequência de monorresistência e poliresistência à R, em geral, é baixa, todos os doentes com TB infetados com cepas resistentes à R devem ser tratados com um regime completo de TB-MDR, com isoniazida incluída até obter os resultados dos testes de sensibilidade, para posteriormente fazer os ajustes necessários. É recomendável que estes casos sejam realizados por especialistas em TB-r, pelo que neste boletim nos centraremos na TB-rH.
O diagnóstico da TB-r deve basear-se nos antecedentes e na suspeita clínica e é sempre microbiológico e/ou molecular (a clínica e a radiologia são indistinguíveis da TB sensível).
Recomenda-se que sejam realizados testes de sensibilidade a fármacos antituberculosos o mais rápido possível, pois assim, pode-se iniciar o tratamento adequado de forma precoce e alcançar taxas de cura mais altas, menor risco de resistências adicionais e menor possibilidade de transmissão de TB-r.
As crianças com TB-r a fármacos antituberculosos geralmente apresentam uma resistência inicial transmitida de um caso primário com TB-r a estes medicamentos e devem ser suspeitas nos seguintes casos:
Contacto com um caso diagnosticado de TB-r
Contacto com um caso suspeito de TB-r, devido a falência do tratamento, atraso ou falecimento
Criança que não responde ao tratamento de primeira linha apesar da adesão ao mesmo
Criança previamente tratada que apresenta recorrência da sua doença
Criança provenientes de países com elevadas taxas de TB-r
A maioria das crianças pequenas não será capaz de produzir amostras de expetoração, pelo que a indução de expetoração, a lavagem gástrica ou a broncoscopia podem ser necessárias para obter uma amostra.
Se houver uma amostra disponível, deve ser realizado um teste de sensibilidade a, como mínimo, H e R em todas as crianças com TB e, se for demonstrada resistência à R e/ou H, recomenda-se a realização de um teste de suscetibilidade a fluoroquinolonas e fármacos injetáveis de segunda linha.
Os testes de sensibilidade a medicamentos podem ser de dois tipos (Caminero et al., 2017) :
Fenotípicos (teste convencional): determinam se uma cepa é resistente a um medicamento antituberculoso ao avaliar o crescimento (ou a atividade metabólica) na presença do medicamento. Os resultados levam de 2 a 3 semanas se se utilizam meios líquidos e de 4 a 8 semanas no caso de meios sólidos
Genotípicos (teste molecular): detetam mutações no genoma associadas à resistência específica a um fármaco. Permitem que os resultados estejam disponíveis em horas, ao detetar por meio de técnicas de amplificação genética mutações nos genes que codificam a resistência aos medicamentos antituberculosos. Estas técnicas são:
Xpert MTB/RIF (Cepheid): pode detetar a resistência à R numa amostra de expetoração em 2 horas. Também se pode usar como teste de diagnóstico inicial, pois é muito mais sensível que a baciloscopia
GenotypeMDRplus (Hain) ou ensaio de teste em linha (Line Probe Assay): pode detetar simultaneamente mutações em genes que codificam resistência à H (katG e inhA) e R (rpoB) em 6 a 24 horas
GenotypeMDRsl (Hain) versão 2: pode detetar resistência a fluoroquinolonas (mutações nos genes gyrA e gyrB) e aos fármacos injetáveis de segunda linha (mutações nos genes rrs e no promotor eis)
Os princípios básicos do tratamento da TB são:
Associar fármacos, e em dose única sempre que possível, para evitar o surgimento de resistências
Prolongar o tratamento durante o tempo suficiente para garantir a cura e evitar recaídas
A maioria dos casos é curada com um regime adequado e monitorização rigorosa da administração da medicação.
O tratamento de crianças sem confirmação bacteriológica ou antibiograma, com evidência clínica de doença tuberculosa e antecedentes de contacto com um caso de TB-r, deve orientar-se pelos resultados dos testes de sensibilidade e o histórico de exposição do caso índice aos fármacos antituberculosos.
Segundo a OMS (World Health Organization, 2019) ,em doentes com resistência confirmada à H, e sensível à R, é recomendado o tratamento com rifampicina, etambutol, pirazinamida e levofloxacina durante 6 meses (6REZ-Lfx). Não é recomendado adicionar estreptomicina ou outros agentes injetáveis ao regime de tratamento. A sensibilidade às fluoroquinolonas (FQ) deveria ser confirmada antes do início do tratamento.
O Dr. Caminero (Caminero et al., 2017) propõe diretrizes de tratamento alternativas para casos com TB-rH (mono ou polirresistência), mas com sensibilidade à R:
9HRZE (isoniacida + rifampicina + pirazinamida + etambutol durante 9 meses). Se se optar por este esquema, devem ser administradas doses altas de H
2FQ-REZ / 7FQ-RE (2 meses com uma fluoroquinolona + rifampicina + pirazinamida + etambutol e 7 meses com uma fluoroquinolona + rifampicina + etambutol)
2RZE/10RE (2 meses com rifampicina + pirazinamida + etambutol e 10 meses com rifampicina + etambutol)
A FQ (Lfx ou moxifloxacina) só deve ser introduzida no regime se for administrada desde o início com os outros fármacos. Não deve ser adicionada se o resultado da resistência à H for recebido após 3 a 4 semanas de tratamento, devido ao possível risco de se realizar uma monoterapia oculta. Neste caso, utilizar 9HRZE.
Embora se tenha demonstrado que as FQ atrasam o desenvolvimento da cartilagem em cachorros beagle, não foi demonstrado nenhum efeito semelhante em humanos. Demonstrou-se que o benefício das FQ no tratamento da TB-r supera qualquer risco (World Health Organization, 2014) .
Uma vigilância clínica rigorosa é essencial para todos os doentes que recebem este regime, em particular os testes de função hepática, dado o potencial hepatotóxico do uso prolongado de Z. Se possível, todos os doentes devem fazer análises mensais para determinar os níveis de transaminases. Para além disso, para prevenir e controlar os possíveis efeitos tóxicos do E em crianças (por exemplo, neurite retrobulbar), é necessário administrar as doses corretas recomendadas na idade pediátrica. Os primeiros sinais de toxicidade do E podem ser avaliados em crianças mais velhas através da discriminação das cores vermelho-verde.
Em geral, os medicamentos antituberculosos devem ser doseados de acordo com o peso corporal (Tabela 1. Doses recomendadas de medicamentos antituberculosos usados em crianças com TB-rH e principais efeitos adversos). Por este motivo, o registo mensal do peso é especialmente importante em casos pediátricos, com um ajuste de dose à medida que as crianças aumentam de peso.
A opinião dos especialista é que todos os medicamentos, incluindo as FQ, devem ser administrados na extremidade superior das faixas recomendadas sempre que possível, exceto o E, que deve ser administrado a uma dose de 15 mg/kg, e não a 25 mg/kg, como às vezes acontece em adultos com TB-r, pois é mais difícil controlar a neurite ótica em crianças.
A adesão ao tratamento é um dos principais desafios, principalmente durante a fase de continuação, pelo que é importante aconselhar a criança e a família sobre a importância de realizar o ciclo completo de tratamento da TB, sendo recomendada a sua administração sob supervisão direta.
Em crianças, a monitorização microbiológica da resposta ao tratamento é geralmente difícil (pelas mesmas razões que é difícil obter um diagnóstico microbiológico). Isto dificulta o diagnóstico de falência do tratamento. As anomalias persistentes nas radiografias torácicas não significam necessariamente uma falta de melhoria. A perda de peso ou, mais comummente, a incapacidade de ganhar peso adequadamente na presença de ingestão nutricional adequada é frequentemente um dos primeiros (ou únicos) sinais de falência do tratamento. Este é outro motivo importante para controlar o peso cuidadosamente em crianças.
Quando houver suspeita ou confirmação de uma resistência adicional, os regimes de tratamento devem ser estruturados individualmente e é aconselhável encaminhar o doente para uma unidade especializada no tratamento da TB-r.
Fármaco | Dose/Kg/dia | Dose máxima diária | Toxicidade |
---|---|---|---|
Rifampicina (R) | 10-20 mg | 600 mg | Intolerância gastrointestinal, artralgias, síndrome gripal, 1% hepatite, nefrite intersticial, secreções alaranjadas |
Etambutol (E) | 15-25 mg | 2,5 g | Neurite ótica, perturbação da perceção da cor |
Pirazinamida (Z) | 30-40 mg | 2 g | Hiperuricemia, hepatite, intolerância gastrointestinal, artralgia, fotossensibilidade |
Levofloxacina (Lfx) | 15-20 mg | 1,5 g | Desconforto gastrointestinal, parestesia, insónia, rutura de tendão, prolongamento QT |
Moxifloxacina (Mfx)1 | 10-15 mg | 400 mg | Desconforto gastrointestinal, parestesia, insónia, rutura de tendão, prolongamento QT |
Isoniazida (H)2 | 15-20 mg | 300 mg | Hepatotoxicidade, neuropatia periférica |
1 10 mg/kg en <6 meses 2 altas dosis
Fonte: Adaptado de: (World Health Organization, 2019). WHO consolidated guidelines on drug-resistant tuberculosis treatment; (Mellado Peña et al., 2018). Actualización del tratamiento de la tuberculosis en niños.
Esta publicação foi possível graças ao programa de cooperação Interreg VA Espanha-Portugal POCTEP - RISCAR 2014-2020.
A Revista Infância e Saúde (RINSAD), ISSN: 2695-2785, surge da colaboração entre as administrações de Portugal, Galiza, Castela e Leão, Extremadura e Andaluzia no âmbito do projecto proyecto Interreg Espanha-Portugal RISCAR e visa divulgar artigos científicos relacionados com a saúde infantil, contribuindo para pesquisadores e profissionais da área uma base científica onde conhecer os avanços em seus respectivos campos.
O projeto RISCAR é cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do Programa Interreg V-A Espanha-Portugal (POCTEP) 2014-2020, com um orçamento total de € 649.699.
Revista produzida pelo projecto Interreg Espanha - Portugal RISCAR com a Universidad de Cádiz e o Departamento Enfermería y Fisioterapia del Universidad de Cádiz .
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